Em artigo, Rafael Parente responde seis perguntas sobre os benefícios e perigos do contato de crianças com ferramentas digitais. Teste seus conhecimentos
por Rafael Parente
Em uma era em que os pais têm cada vez menos tempo
para os seus filhos, nativos digitais, e as novas tecnologias invadem
nossas casas, escritórios e escolas, os computadores, os tablets e
smartphones têm sido usados para entreter, ensinar e acalmar. Não é um
exagero se preocupar com o uso irresponsável ou sem planejamento dessas
ferramentas, que fazem as vezes de “babás”. Se, de um lado, algumas
empresas vendem suas soluções como milagres da ciência, que podem
alfabetizar, ensinar matemática, ou línguas estrangeiras, a partir dos
4, 2 anos ou até dentro do útero; do outro lado há pais e educadores que
defendem a proibição total das telas até o começo da puberdade. Mas o
que a ciência realmente diz a esse respeito? Chegou a hora de avaliar o
seu conhecimento sobre o assunto.
A boa utilização de novas tecnologias por crianças é possível?
As mídias interativas devem ser utilizadas de forma intencional e
apropriada, como apoio à aprendizagem e ao desenvolvimento. Precisamos
reconhecer que cada criança é única, e esse uso deve ser apropriado à
idade, ao nível de desenvolvimento, e aos contextos sociais e culturais.
As soluções devem criar uma experiência ativa e interativa, dando
controle às crianças, aumentando a sua motivação e o seu engajamento com
o conteúdo. Jogos digitais e plataformas adaptativas precisam auxiliar
as crianças e jovens na construção de novas competências e habilidades
dentro do seu próprio ritmo, sendo uma opção em um leque de estratégias
de ensino. O foco principal deve ser na qualidade da prática e na
didática, ao invés de na tecnologia.
O que você (professor, gestor ou responsável) deve levar em consideração?
Essa utilização intencional e planejada requer que educadores,
gestores e famílias tenham informações suficientes sobre a natureza das
soluções tecnológicas e suas consequências. Precisamos avaliar se o uso
das novas tecnologias é uma estratégia mais efetiva do que materiais e
métodos mais tradicionais para o ensino das crianças ou para um
currículo específico. Não podemos negar que essas ferramentas têm
potencial para melhorar o ensino, quebrar barreiras de tempo e espaço,
para criação e comunicação (inclusive entre educadores e familiares
sobre a produção, o progresso e as necessidades das crianças e dos
jovens). Entretanto, a decisão de investir ou não recursos finitos em
novas mídias deve considerar o custo-benefício (inicial e de manutenção)
e todos os detalhes relacionados à infraestrutura (eletricidade,
internet e materiais adicionais), os conhecimentos e a vontade dos
adultos que vão mediar a nova experiência.
O tempo de uso deve ser limitado? Qual deve ser o limite?
A limitação do tempo de uso é fundamental. Um estudo da Universidade
da Califórnia concluiu que as crianças americanas estão passando cada
vez mais tempo em frente às telas e isso está diminuindo a sua
capacidade de reconhecer as emoções das outras pessoas, algo essencial
para o desenvolvimento de empatia, por exemplo. Enquanto boa parte das
crianças e jovens passam pelo menos 4 horas por dia em frente a TVs,
computadores, tablets e smartphones, as últimas recomendações
científicas orientam que familiares e professores precisam limitar o
tempo em frente às telas a 2 horas diárias para crianças e jovens entre 3
e 18 anos. Os cientistas também recomendam proibir o uso passivo de
TVs, vídeos e outras tecnologias não-interativas e qualquer mídia com
crianças menores de 2 anos, e desencorajam o uso passivo e
não-interativo com crianças entre 2 e 5 anos de idade. Qualquer
utilização de tecnologias com bebês de até 2 anos deve ser limitada a
ferramentas que estimulam e reforçam as interações e os relacionamentos
entre as crianças e os adultos. Por outro lado, quando utilizadas
corretamente, dentro dos limites recomendados, mídias interativas podem
melhorar (mas nunca substituir) brincadeiras criativas, explorações,
atividades físicas (incluindo esportes e na natureza), e interações
sociais.
Que problemas o uso excessivo pode causar?
Além de problemas em reconhecer emoções, pesquisas sérias já
demonstraram que passar desses limites pode causar outros problemas
graves para as crianças, como obesidade infantil, noites irregulares de
sono e dificuldades em se comportar socialmente. A nossa espécie evoluiu
em um ambiente onde só havia interações presenciais e nossas
competências socioemocionais dependem dessas interações – esse é um fato
também para pessoas adultas! As famílias e as escolas devem criar
momentos de discussão sobre o que seria uma “dieta midiática saudável”
para que crianças e os adultos consigam fazer boas escolhas de que
mídias utilizar e durante quanto tempo. Não é demais lembrar que as
novas tecnologias nunca deveriam ser usadas quando apresentam riscos
emocionais ou físicos, e quando apresentam conteúdos desrespeitosos,
perigosos ou intimidantes, incluindo a exposição a violências de todo o
tipo, ou conteúdo sexual inapropriado para a idade.
O que isso tudo tem a ver com cidadania digital e inclusão?
É importante refletir sobre a cidadania digital e a inclusão, nesse
contexto. Durante o uso das novas ferramentas tecnológicas, os adultos
devem dar todo o apoio necessário para que todas as crianças e jovens
possam refletir, fazer perguntas apropriadas e pensar criticamente sobre
a experiência. Como a melhor forma de ensinar é pelo exemplo, os
adultos precisam demonstrar o que é um comportamento exemplar de
cidadania digital, com o uso apropriado e ativo dos vários tipos de
mídias para que a aprendizagem aconteça de maneira positiva,
responsável, saudável, segura e inclusiva. Em outras palavras, é
necessário, também, se preocupar com a equidade no acesso a boas
experiências interativas. Pesquisas demonstram que é menor o acesso de
crianças de famílias com menor poder aquisitivo e de crianças com algum
tipo de deficiência a soluções tecnológicas, o que significa que essas
soluções podem estar contribuindo para o aumento do déficit de
aprendizagem nesses grupos.
Já temos todas as respostas?
De forma alguma. É impossível imaginar como as tecnologias evoluirão
em alguns anos ou quais serão utilizadas (e de que forma) quando as
crianças de hoje se tornarem adultas. Sabemos, contudo, que familiares e
educadores precisam estar atualizados e ensinar como selecionar, usar,
integrar e avaliar as novas tecnologias. Leituras constantes e formação
continuada são essenciais. Governos, empresas e organizações do terceiro
setor precisam investir constantemente em novas pesquisas que
contribuam para um conhecimento mais aprofundado dessas questões e para a
compreensão dos efeitos a longo prazo. Políticas e práticas devem ser
fundamentadas nos achados científicos para que o uso das novas
tecnologias seja cada vez mais intencional e bem estruturado para todas
as crianças, apoiando experiências ativas, “mão na massa”, criativas e
engajadoras.
Fonte: http://porvir.org/voce-sabe-sobre-uso-da-tecnologia-por-criancas/